27.3.07

Trampolim

Sem olhar, sem respirar
Sem rir, sem pensar, sem falar

Só te provo um lugar

Qualquer piscina ou mar de Amaralina

O amor não é mais do que o ato

Da gente ficar

No ar antes de mergulhar

Antes de mergulhar

Dance, dance, cante, cante

Muito alto, sem medo de tudo

De nada, sem medo de errar

Vejo uma boca vermelhar galhar

A paixão não é mais do que o ato

Da gente ficar

No ar antes de mergulhar

Antes de mergulhar

26.3.07

Contrapunto


La tarde se fue otra vez
en un color anaranjado tranquilo…
la noche siempre empezaba estraña:
mientras el sol huía de la oscuridad
la luna lloraba en silencio su abandono…

Ella continuaba mirando…
el vacío rellenaba sus ojos
qué en el horizonte distante
una y otra vez buscaban…
un punto de luz
en aquel reflejo blanco
a menudo,
dibujado sobre el enorme
océano…

El cantaba una triste oración
llena de nostalgia…
En el otro lado del océano
despierto…
deseaba dormir otra vez…
olvidarse de su taller y
soñar en azul…
echo aquel otro “mundo”…
qué todos los días
tenia que decir adiós…

La felicidad siempre tarda poco…
asi és el encuentro:
Cuando se empeza
a descubrir la salvación en el otro…
otro “mundo” se abre…
el rancio de la soledad
despierta uno para su fria
realidad…
frente al océano que los separa,
único y fiel compañero
de los enamorados…

21.3.07

No recreio

Quer saber quando te olhei na piscina
Se apoiando com as mãos na borda
Fervendo a água que não era tão fria
E o azulejo se partiu porque a porta
Do nosso amor estava se abrindo
E os pés que irão por esse caminho
Vão terminar no altar, eu só queria me casar
Com alguém igual a você
E alguém igual não há de ter
Então quero mudar de lugar, eu quero estar no lugar
Da sala pra te receber
Na cor do esmalte que você vai escolher
Só para as unhas pintar
Quando é que você vai sacar
Que o vão que fazem suas mãos
É só porque você não está comigo
Só é possível te amar...

Seus pés se espalham em fivela e sandália

E o chão se abre por dois sorrisos
Virão guiando o seu corpo que é praia
De um escândalo...charme macio
Que cor terá se derreter?
Que som os lábios vão morder?
Vem me ensinar a falar
Vem me ensinar ter você
Na minha boca agora mora o teu nome
É a vista que os meus olhos querem ter
Sem precisar procurar
Nem descansar e adormecer

Não quero acreditar que vou gastar desse modo a vida

Olhar pro sol só ver janela e cortina
No meu coração fiz um lar
O meu coração é o teu lar
E de que me adianta tanta mobília
Se você não está comigo
Só é possível te amar
Ouve os sinos, amor
Só é possível te amar
Escorre aos litros, o amor

15.3.07

Para esquecer

Forte ausência
que desafia nosso controle...
A crua abstinência
foi violada
por qualquer louca...
vontade de beijar...
bocas distantes
abertas...
nossos corpos velados
fechados...

Tua beleza sutil...
Cabelos nos olhos
verdes...
bosques de frutas silvestres
doces como o pecado
cometido por Eva...

Essa tua praticidade voraz
me assusta...
elimina minhas defesas...
Quero amigos para rir...
bebida para esquecer...
te quero para ser feliz
para brincar...
para poder nos salvar...

A espera indefinida
pelo sol do outro dia
coloca à prova
nossos reais sentimentos...
Essa vontade absurda
de estar junto faz questionar
a intensidade do nosso
masoquismo...
do meu orgulho...
da tua vaidade...
Nos enlouquece, a saudade...

Nos enganamos fazendo utópicos
truques de veracidade forcada...
Digo só mais dez minutos...
fico uma hora...
Tu dizes só mais uma vez...
Fica cem...
Sem nada,
ao final...

Para lembrar

Minha Porto Alegre linda...
ruas largas
corações estreitos...
Pessoas vão por todos os lados...
Eu caminhava
Ela, atriz, desviava olhares...

Desvio tentador
onde meu caminho
perdeu-se...

encontrou-se naqueles olhos...
Ah, àqueles olhos
denotavam perigo
para meus passos largos...
Misteriosa maravilha
para meu coração estreito...

Me desviei...
Cruzamos...me apaixonei...
Sem saber...sabendo...
meu coração cresceu...
nunca mais coube
nas largas ruas da linda...
Porto Alegre

Hoje resolvi pedir seus olhos...
Só hoje quero ter teus olhos...
Mentira!
Quero para sempre...
Teus olhos são meu guia...
meu caminho...
minha perdição...
E meu delírio...

Jogo da "amarelinha"

A menina dos cabelos vermelhos
continua passando
insistentemente...
sob minha janela
Todos os dia
na mesma hora
sinto sua "presença"
alegre...
em minha "ausência"
nostálgica...

Passa pulando amarelinha
com flores margaridas
nas mãozinhas...
tingidas pelos sonhos
lúdicos da infância
colorida...

Ah...ridícula inveja...
Essa inocência sufocante...
libertadora...
das pessoas que gostam

de truques...
de mágicas...
Encantam vidas...
dissipam tentacoes...
em meias palavras
"cheias" de fantasias...

Imaculada decepção da "maturidade":
Impossibilidade de fazer
brincadeiras com a vida...
quero aprender a "pular"
assim...tranquilamente
voando entre números...
entre palavras duras...


Desejo a inocência lúdica
a "imaturidade"
de um simples truque
com as cartas do baralho
do amor...

Quero meus cabelos vermelhos...
minha cabeça cheia de milagres...
como os da minha menina...
todos os dias
pulando amarelinha...
brincando com a vida...
preenchendo minhas tardes
vazias...

14.3.07

Déjá Vu


Na volta...o correspondente resolveu ficar...e eu?!Eu o felicito...mas, ao mesmo tempo, o considero um fraco, um covarde...pois seu lugar era aqui...escrevendo...escrevendo...ele me disse que não podia mais...eu lhe disse para tentar...ele me justificou que era muito doloroso esse trabalho de ser "um correspondente"...de ser "o correspondente" de tantos momentos...tantas idéias que estavam nessa minha cabeça confusa, nostálgica... "además gitana"...
Enfim, eu tive que voltar...por vários motivos estou aqui...nao sei se preparada...na verdade, acho que nunca estamos preparados para voltar...para ir...para sofrer...para escrever, ou seja, para mudar qualquer tipo de realidade...é um impulso...uma necessidade quase física...eu só sinto que minha cabeça vai explodir se nao colocar todas essas "coisinhas" para fora...se nao me libertar de mim mesma de alguma forma...
Me sinto como essa gaivota que prestes a levantar vôo, grita...dolorosamente...intensamente...que sente todos os seus músculos(inclusive e principalmente o coração) articularem um choro preso entre seus tendões, entre suas aurículas...tu sentes que a gaivotinha alguns momentos antes estava ali...feliz...tranquila...porém, algo treme...é como se chegasse alguém muito perto e ela se sentisse amedrontada e tivesse que gritar e partir para nao ser "tocada"...
Meu instinto me joga agora para longe...as recordações vao alimentar para sempre meu vôo sem escalas...essa ausência "presente" de tantas sutilezas...de tantos toques...essas canções tão "íntimas" me levam para o paraíso e para o inferno no intervalo de meio segundo...fotografar outros olhos preenche a falta "daqueles" olhos...escrever liberta minha energia, minha dor...esse nó na garganta...a "poesia e a tragédia" representam minha vida...sou assim...de extremos...ou tudo ou nada...um dia Neruda, outro dia Ésquilo...ou eu mato o amor ou ele me mata...ou eu fico e sofro ou eu vôo e vivo...
Decidi voar...claro...sempre...mas nao vôo para fugir...se eu fugisse matava "esse amor"...seria como o tal do correspondente covarde...eu nao quero ser assim...quero esse fogo bem vivo dentro de mim...por isso, vôo bem alto...muito alto...escrevo bem claro...muito claro...só para provar para mim mesma que posso estar nas estrelas e ao mesmo tempo morrer de amor...e morrer do que quer que seja sem medo de sofrer...é...é...eu sei...mas, por "esse amor" vale a pena morrer...vale a pena confessar...vale a pena escrever...vale a pena sofrer...ahhh....até aquele ponto limite onde de tanto fugir de mim, esse "meu amor" me prove o contrário...

12.12.06

Volver...

Volver...
yo adivino el parpadeo
de las luces que a lo lejos
van marcando mi retorno
son las mismas que alumbraron
con sus pálidos reflejos
hondas horas de dolor

y aunque no quise el regreso
siempre se vuelve al primer amor
la vieja calle donde el eco dijo
tuya es su vida, tuyo es su querer,
bajo el burlón mirar de las estrellas
que con indiferencia
hoy me ven volver

Volver...
con la frente marchita
las nieves del tiempo
platearon mi sien
sentir...
que es un soplo la vida
que veinte años no es nada
que febril la mirada
errante en la sombra
te busca y te nombra
vivir...
con el alma aferrada
a un dulce recuerdo
que lloro otra vez

Tengo miedo del encuentro
con el pasado que vuelve
a enfrentarse con mi vida...
Tengo miedo de las noches
que pobladas de recuerdos
encadenan mi soñar...

Pero el viajero que huye
tarde o temprano detiene su andar...
Y aunque el olvido, que todo destruye,
haya matado mi vieja ilusión,
guardo escondida una esperanza humilde
que es toda la fortuna de mi corazón...


Ao som de "Volver" - Estrella Morente

6.12.06

Primeira confissao explícita...


Quarta-Feira, 2:25 a.m, dia 6/12/2006, Rua Conde de Barájas, Sevilha, Espanha.

...a quadragésima quinta vez que me apaixonei por ela foi incrível!
Lembro bem das outras vezes porém essa foi especial...
Era uma dessas noites frias e, portanto, eu nem imaginava abandonar minhas divagaçoes metafíficas entre cobertas e poesias para fazer o que quer que seja...entretanto, como o mais "certo" muitas vezes se torna o mais "equivocado" tive esse desejo repentino de sair...nao sabia muito bem para onde...lembrei de uma peça de teatro que um amigo estava atuando...era Nelson Rodrigues...pensei entre um riso irônico: "Ótima pedida para essa noite!"...30 minutos e já estava lá...


Bom, pedimos mais alguma coisa para beber?!
Ok....eu nao vou mais na cerveja...essa Cruz Campo é muito amarga...vou provar esse tal "Tinto de verano con Blanca"...hehe
Ah, sim...entao continuando...
Na verdade, apartir do momento em que cheguei para assistir nao tem muita história...


A peça começou...assim que ela entrou em cena...pronto...eu só enxergava suas expressoes sem exageros...seu corpo suave e erótico...paradoxo inexplicável...seu jeito discreto e absurdamente sensual de atuar...tombei completamente...conhecia muito bem aquele olhar...era a minha perdiçao...era o meu paraíso...era o refúgio dos meus mais intensos desejos e medos...
Na minha frente estava novamente a única mulher que fazia eu me sentir uma menina...essa mulher misteriosa de sobrenome Laranjeira era o meu destino...nao importava o quao longe eu pudesse estar, iria sempre me apaixonar por aqueles olhos intensos de atriz...


Ponto...final da história meu amigo, bebemos mais?!
Que?Como, já?!Terminou sim...fim...the end...o resto só cabe às minhas fantasias mais íntimas...
Humm, queres saber se ainda estamos juntas...hehe
Vou te responder em forma de confissao:
"...me apaixonei umas 70 vezes na vida...somente por ela me apaixonei 51 vezes...ou melhor...provavelmente 52 vezes - tenho mais uma peça Rodrigueana para assistir..."
Entao, respondo tua pergunta?!

...
...

P.s: Só para constar...nesse blogestavam proibidas confissoes explícitas como essa...porém...enquanto o verdadeiro Sr.Sublime continuar com sua vida cigana, eu continuo burlando as regras que considerar descabidas...confissoes sao testamentos de amor e ódio...sao provas de vida, de sonhos e de morte...só é capaz de confessar quem nao tem medo de viver intensamente...
Realmente...o Sr. Sublime é uma pessoa bastante contraditória...que ironia, nao?!...

27.11.06

Ojos de Brujo


O nome dele era Alan...sujeito engraçado...tao magro que o avental de garçon dava duas voltas em sua cintura...
Era Francês...de Paris porém nao apoiava as idéias xenófobas e nacionalistas, as quais "cegavam" sua geraçao...sempre comentava: "Essa juventude hipócrita e desmemoriada...colonizar a África tudo bem...roubar suas pedras preciosas...acabar com sua cultura e escravizar sua gente foi muito bom...e agora?!Agora nada...nao aprendemos nada com os crimes que cometemos...cometemos crimes ainda piores como a discriminaçao contra as próprias raças que um dia deixamos na merda..."
Sim, Alan era um típico jovem europeu politizado, inteligente e muito sensìvel...sensibilidade essa que era motivo de chacota entre os - usando um eufemismo agradável para esse tipo de pessoa – mais “ignorantes”...enfim, nem na Europa estamos livres dessa “raça” totalmente dispensável...
Fomos apresentados rapidamente...afinal, ele trabalhava no mesmo bar em que resolvi mostrar meus dotes de “Camarera”...
Fazíamos de tudo...podíamos um dia estar servindo Duques e Duquesas Espanhóis e ganhar 10 euros de gorgeta e, no outro dia, estar limpando banheiros sujos de merda e nao ganhar nada...
Era um trabalho de extremos assim como a vida que estávamos levando...
Em um desses dias, Alan e eu ficamos encarregados de fechar o bar...deveria ser perto das 2 da madrugada quando escutamos uma cançao com ritmos tribais incríveis...o som vinha dos “Jardines de Murillo”...estava abafado entre as inúmeras laranjeiras, o que deixava o momento muito mais bucólico e surpreendente...
A cançao era triste...muito triste; entretanto, nos tocava de uma maneira impossível de traduzir...era uma mistura estranha de sentimentos...instigava nossa emoçao a ponto de esquecermos tudo e segui-la sem pensar em nada, a nao ser na idéia vaga e intensa do indescritível...
Cruzamos algumas “glorietas” e fontes mouras na escuridao até chegarmos a uma clareira onde a imagem era nítida: Uma mulher arábe vestia seus trajes típicos...uma burca deixava apenas seus olhos negros, penetrantes e sofridos a mostra...por ironia, ela dançava o flamenco em câmera lenta e cantarolava um gemido que vinha diretamente do coraçao...
Como perfeito complemento ao gemido, escutávamos o tom seco de uma guitarra escondida entre as sombras das árvores e as maos rápidas e calejadas de um senhor que a acompanhava de perto...era seu par...seu protetor mouro...
A imagem era absurdamente cênica...pronta para ser congelada...ou nao, enfim...a verdade é que permanecemos paralizados, observando e sentindo a magia do momento...
Alguns dias depois, ainda anestesiados e, talvez por ambos estarem dando os primeiros passos na arte da fotografia, nos perguntamos se momentos indescritíveis como aquele poderiam realmente ser congelados...
A conclusao era óbvia...apenas imagens podem ser congeladas...sensaçoes nunca...
Porém, apesar da obviedade da pregunta, foram apartir dessas entrelinhas que chegamos um pouco mais perto do verdadeiro segredo da arte otográfica: tentar transmitir em uma imagem congelada o máximo de sensaçoes possíveis...
Uma fotografia pode transplantar e “dizer” centenas de vezes mais do que milhares de linhas de um texto...
Alan e eu, durante o tempo que passamos juntos, trocamos poucas palavras e muitas imagens...ele me mostrou as cançoes intensas de um grupo chamado “Ojos de Brujo”...e eu lhe mostrei uma exposiçao de fotos do Marrocos...
Atualmente, encontro inspiraçao para bater fotos escutando essas cançoes e Alan...bom, Alan viajou para o Marrocos para tentar “capturar” alguns verdadeiros “Ojos de Brujos”...Qualquer semelhança entre imagens e sons textuais nao é pura imaginaçao...tínhamos muito em comum...


22.11.06

Miniaturas de papel...

Sob a luz vermelha...


Como em um estúdio...
fotografias seguem penduradas
secando em vermelho...
os diversos momentos
confinados em memórias
de papel...
Esses labirintos...
imagens perfeitas
armadilhas dessa cidade,
surpresa...

Sevilha possue o mundo
em suas ruas diminutas...
Quem nao se perdeu
à procura...
de suas tantas
miniaturas?!

De tantas voltas
te encontras às avessas...
De tuas entranhas
aparecem as mais
puras belezas...
Verdadeiras realezas
dividas com os anjos
protetores das tantas
Santas "Glorietas"...

Teus segredos
estarao bem guardados...
Para cada um deles
existe um confessionário...
Nessa cidade
de tantas confrarias
existe um Deus
para cada hora do dia...

Cidade com uma
religiosidade distinta:
A Maria nao veste branco....
Carmem é seu nome,
veste vermelho e dança
obviamente
o Flamenco...

Cada labirinto
que cruzas
um desejo para ti
se desnuda...
A todos peço com força...
que tragam
a minha linda
moça...

Sigo a travessia
dessa pulsante
cidade,
magia...
Esse vermelho está sempre
presente...
arde meus olhos
suspende meu
ventre...

Inquietaçao permanente
te provoca a solidao...
Sedutora dançando
flamenco...
Com a boca vermelha
procura a quem presentear
com um beijo...
E como uma dádiva
te escolhe...
Com os olhos brilhantes
te suga...
balbuciando
sensualmente:
Bem vinda...
Sevilhaaa
...
...

6.11.06

Comunicado

O responsável por esse blog, por motivos desconhecidos até entao, desapareceu.

Nesse meio tempo, eu terei total responsabilidades pelo mesmo, ou seja, acabaram-se os textos trágicos e as poesias mais trágicas ainda.

Quem sou eu?
Em primeiro lugar, nao tem a menor importância.
Em segundo, para quem faz questao de saber, posso me considerar um correspondente.
É isso mesmo, um correspondente...portanto, a partir de agora, os textos aqui publicados serao apenas correspondências...nao procure lógicas ou ligaçoes extremamente complexas...nao há intertextualidade...formalismos pessoais...biografias...tratados...nao há apuraçoes acadêmicas ou o que quer que seja...
Existe apenas um espaço onde escreverei passatempos...é isso...passatempos diretos da Espanha, onde ironicamente me encontro {(há suspeitas que o sr.(a) sublime(o verdadeiro e nao este que vos fala) fugiu para Sevilha e foi visto perambulando com um grupo de ciganos pelo bairro da Triana.)}
Enfim...aqui está meu comunicado...
P.s: Devido a minha incompetência com os teclados espanhois...ainda nao consegui encontrar o til...continuarei tentando para as próximas publicaçoes...

20.10.06

Saudade

Em uma noite de outono abafada, depois de um dia inteiro de chuva, quatro pessoas totalmente diferentes, após acordarem da famosa “siesta” espanhola tentam em vao encontrar traduçoes para SAUDADE.

Personagens: Três Brasileiras e uma Grega.

Cenário: Um “piso” tipicamente Sevilhano.

Bebida: “Sangrías”

Língua falada: Inglês(devido à amiga Grega)

Fontes pesquisadas:Dicionários Inglês/Português, Espanhol/Português e a amiga Grega.

Músicas: MPB(obviamente...as brasileirasv eram a maioria...hehe)


Os assuntos foram surgindo com as músicas que tocavam alternadamente no “notebook” e, é claro, com o número de “sangrías” consumidas.

Chico tocando. Silêncio anterior ao gozo. Pausa. Hora de alguém um pouco mais alterado(eu diria surtado de amor e saudade) levantar uma polêmica existencial ou expôr um sentimento pessoal.(No final das contas, acaba sendo tudo a mesma coisa...causa e consequência...).


- Escuta...“...se nós, nas travessuras das noites eternas já confundimos tanto as nossas pernas, diz com que pernas eu devo seguir...”...”...se nos amamos feito dois pagaos, teus seios inda estao nas minhas maos, me explica com que cara eu vou sair”...
Por favor, me digam!! Como traduzir para ela (a Grega) a profusao de sentimentos que essa música suscita!!

- Nao tem traduçao...perderia toda a poesia...ainda mais para o Inglês...está para nascer linguazinha mais pobre que essa!!

- Escuta...”...mas voltou a saudade e é para ficar...se eu ficar na saudade, menina, saudade engole a gente, menina”...ai..ai...”ai...amor miragem minha, minha linha do horizonte, é monte atrás de monte é monte, a fonte nunca mais que seca...ai saudade inda sou moço, aquele poço nao tem fundo...é o mundo e dentro, o mundo e dentro, o mundo e dentro é o mundo que me leva...”...que SAUDADE!!!

- Somos todos saudosistas...só estando longe para saber...

- Será? Será que todos sentem como a gente?

- Corina, there is this feeling, it’s like you miss a lot something, but it’s not nostalgic...there is some word in Greek to represent this feeling like in portuguese that it’s SAUDADE?
...
...
...

Na verdade, todas as tentativas foram frustadas. As brasileiras tentavam traduzir o sentimento para o Inglês, o que no caso, nunca iria chegar nem aos pés do que a poesia em português sugeria. A amiga Grega tentava entender essa traduçao e encontrar palavras que representassem algo, ao menos similar a nossa SAUDADE, entretanto, também nao houve sucesso na sua tentativa.

Tentaram encontrar a traduçao para o Espanhol e, infelizmente, se deram conta que esse povo tao intenso, assim como o brasileiro, encarava a SAUDADE como uma simples nostalgia.(É entendível...se levarmos em conta que sua dança tradicional, o Flamenco, é absolutamente nostálgico e nao saudosista.)

Chegamos a conclusao que a SAUDADE, a MPB e o CARNAVAL( com toda sua carga de tradiçao saudosista...), infelizmente, sao “sentimentos” que só o brasileiro, onde quer que esteja, pode entender e aproveitar...


Ao som de Chico.




14.10.06

Sevilha Andando

Voltas...voltas...tantas voltas...palavras...palavras...tantas palavras...a partir de agora quero falar menos e sentir mais...sentir...
sentir essa cidade que me espera em todas as suas entranhas...em todas as suas formas...em todas as suas línguas e tradições...vou ao fundo sem medo de não encontrar meu coelho da sorte...vou sempre mais pois meu PORTO continua aqui...com seus olhos reluzentes como essa "Torre del Oro" sempre a me observar....
Deixo os "olhos" de João Cabral de Melo Neto falarem sobre Sevilla e sobre as minhas ilusões e perspectivas...na sua fantástica poesia, Sevilha é mulher e seu andar é uma dança...é sensualidade...é nostalgia...é Flamenco...


BARCAÇA

Ele embarcou numa mulher
(Um dia, foi numa cidade:
a vida cigana de então
pedia porto onde ancorasse.

Em Sevilha matriculou-se:
se nele é meteco, ninguém
habitou mais fundo esse porto
nem o soube do quê ao quem).

Hoje embarcou numa mulher.
Recifense(porto-alegrense), ele a chama barcaça,
que é o barco mais feminino,
é mulher feito barco e casa

Mas nunca fez por anular
o registro da barca antiga:
na barcaça pernambucana(gaúcha)
na proa se lê "Sevilha".

E nela embarcou sem querer
saber o que fazem com ela:
já se carrega pouco açúcar
nas barcaças fêmeas, à vela.

Que importa se vai Norte ou Sul?
Se vai a Goiana ou Barreiros?
Tem o registro de Sevilha
e é sem timão, sem timoneiro


Ao som de "Tu eres mi religion" - Maná


29.9.06

Esperando Josef K.

Paro para descansar na sombra de uma Sequóia...me pergunto: "quantas gerações essa árvore milenar observou parada?"..."e antes ainda, quantas pessoas não pararam neste mesmo lugar que estou e desataram a falar de seus problemas e processos existencias?"

No mínimo deve ser cômico presenciar diferentes épocas, com suas devidas características culturais, políticas e sociais...enfim, provavelmente minhas lamentações não são MEDIEVAIS, apesar de às vezes eu considerá-las...riso amarelo...

Resolvo sentar para ler...acabo cochilando...ACORDO com o barulho das folhas secas esmagadas por um homem...ele se apresenta com o nome de Josef K. ...estranho, falo em silêncio...já ouvi esse nome em algum lugar...não importa...começamos a conversar...na verdade a nossa conversa está mais para palavras desconexas...não há fundamento, muito menos lógica...um diálogo que transita entre o absurdo e o trágico...ESTALO...homens modernos buscando fundamento na COMUNICAÇÃO...processo em EXTINÇÃO...

Pergunto algo...na verdade, somente para fugir do silêncio, pois fico imaginando que diferença fará na minha vida saber qual o trabalho desse homem...no entanto, para ele a pergunta faz sentido...me responde que trabalha em um banco e, além do mais, me responde que nesse momento está detido por um crime que não faz idéia qual seja, nem que o tenha em algum momento cometido...

BIZARRO...a justiça continua a dar provas da sua total incerteza, despreparo e intolerância frente a termos tão abstratos e frágeis como o que é normatizado como o "certo" e o "errado"...não há interpretações, análises críticas...exitem apenas coações...e nessa pressão "escrita" acabamos por nos contradizer, fazendo o errado, achando que é o certo...coitado desse homem, deve ter caído na imposta AUTO-ILUSÃO construtiva da lei...

Nessas minhas divagações silenciosas, acontece algo realmente perturbador...porém, instigante...o tal Josef K. me pergunta de qual autor eu sou um personagem...não seguro o riso; entretanto, percebo que ele está falando sério...resolvo entrar na BRINCADEIRA e me apresento como ESTRAGON, personagem de BECKETT...não entendo o motivo dessa escolha, afinal existem tantos personagens de autores muito mais interessantes a meu ver...enfim, me deixo levar sempre nessa intuição velada por segundas intenções, terceiras motivações...

Porém, agora quem acha hilário é o tal Josef K. ...afirma com toda a pretensão possível que eu não posso ser ESTRAGON...que ESTRAGON está sempre acompanhado por VLADIMIR...e um não existe sem o outro...
Respondo rápido e penso..."Toma!Soco no estômago!"..."então, querido Josef. K. ...acho que aí está seu crime...falsidade ideológica...você é VLADIMIR!!risos irônicos...

-Pare de brincar...impossível...eu sou um personagem Kafkiano...você não me reconhece?!

Longa pausa....

-Ahh..claro que sim...você é o personagem de "O Processo"!!Me desculpe...risos...então, se eu sou Estragon e você é Josef K., por que alguém resolveu promover nosso ENCONTRO?...Será que fazemos parte de um outro romance?...Talvez o novo "Dom Josef. K de la Mancha e Sancho Estragon", que achas?!risos...

- Que observação idiota!!Perda de tempo...

-Você me desculpe a ironia, mas não consigo encontrar nenhuma relação entre nossos personagens (nesse momento já começava a acreditar na "brincadeira" criada por mim mesmo) a não ser...pensando melhor...acho que ambos estamos esperando algo, não é?!

Josef K. franze a testa...aperta os olhos como se analisando meu questionamento e concorda, dizendo que sempre esperou as respostas pelos motivos do tão angustiante PROCESSO pelo qual havia passado...
Dessa forma, me deparo com outra dúvida, se Josef K. estava detido, como podia estar ali na sombra, tranquilamente, conversando comigo?!...e mais, se eu sou Estragon, como poderia estar sem o Vladimir e muito menos sem a vaga idéia de estar esperando um tal Godot?!

Essas DÚVIDAS...espera...espera...pronto...concluo: acho que eu precisava de você e você precisava de mim, não achas?!Só temos de descobrir o por quê?!

-Sim, de certa forma nós nos completamos, não é?!Observa Josef K. ...veja só, eu fui detido em um processo pelo qual não me explicaram o motivo...Kafka me moldou como um personagem extremamente racional para mostrar toda a loucura do mundo...,ou seja, a minha detenção revela mais do que uma simple crítica ao Estado de Direito, ela marca esta relação de instabilidade que todo sujeito possui com o mundo moderno. A minha angústia é a angústia de todo aquele que de repente desperta de seu ilusório sono de harmonia social para uma realidade assustadoramente palpável, desordenada e abarrotada de perguntas sem respostas. Você quer saber a conclusão que cheguei através desse PROCESSO? A aniquiladora proximidade consigo mesmo...dolorosa porém reveladora...

-Humm...você tem razão...descobri por que na minha ilusão ficcional escolhi ser ESTRAGON...estou preso também a um PROCESSO...na verdade é o mesmo processo que você; entretanto, abordados por nossos autores e suas pirações teóricas de outra forma...esse é o processo da existência, não é?!
Descobrimos sempre qualquer coisa que nos dá a impressão de existirmos. Não é mesmo, Didi?!Desculpe-me, Josef K.?!

-Não me confunda usando frases já ditas...vamos...seja original Estragon...agora você faz parte de outra realidade!!

-Não!Espera Josef K. ...veja só...eu não sou ESTRAGON...somente usei esse personagem para que fosse possível a sua chegada...me dei conta que você é o resultado da minha espera...esse excesso de perguntas, de gestos e movimentos repetitivos, todos desprovidos de sentido aparente, garantem a mesma angústia do seu personagem em o "O processo"... a única diferença é que para Vladimir e Estragon faltava a consciência plena de sua situação, pois não dominavam, não compreendiam a equação a qual estavam submetidos...a sua angústia era outra...você tinha a consciência...eles permaneceram em um movimento(ou melhor, não movimento, não ação) de inércia. Não agem por que não aprendem; o passado lhes escapa, não o dominam. Também não conseguem superar essa dificuldade refletindo juntos, pois vivem conflitos inerentes ao homem, o da incomunicabilidade e o da degeneração imposta pelo tempo a si próprios e àquilo que desejam, que daria sentido a suas vidas.

Josef K. reflete sobre essas afirmações e pergunta:
-"Mas então, afinal, quem é Godot?!"

-Godot é a mesma coisa que a resposta do por quê de você ter sido detido sem explicações...não existe...na verdade Godot não é nem um pouco importante...o importante é sim, a espera por ele...a maneira como nos comportamos nessa espera por um sentido, por uma "ilusão" de tranformação, de mudança, de significados lógicos que não virão nunca...que nunca serão reconhecidos como tais...
Conseguimos viver plenamente com as perguntas, mas nunca com as respostas, pois no momento que encaramos essas como respostas, na verdade elas já viram perguntas de novo e assim sucessivamente...repetidamente em um movimento cíclico como a vida, como a história...arquétipos e repetições...

-Tudo bem...mas de que maneira eu sou o resultado da tua espera?!

-Você, Josef K. representa todo esse PROCESSO penoso de livrar-se das correntes da ilusão da harmonia, da ordem...você representa o árduo PROCESSO de despertar para a vida cruel, para a realidade fria...você foi aquele que saiu da "caverna de Platão" porém foi morto pelo sistema sem ter a chance de alertar aos outros...você se livrou do sono alienante e cômodo para a prisão de estar totalmente desperto e consciente da vida alucinante, inútil e sem sentido do mundo moderno...
Por isso você é o resultado da minha espera...Godot não é Deus, a liberdade ou a felicidade e, sim a espera construída nesse PROCESSO...essa ELUCIDAÇÃO pela qual você passou é a chave para as minhas perguntas...nossa comunicação, nossa compreensão só foi possível, e por isso fingi ser um personagem, pelo fato de vivermos em universos paralelos...eu sou real porém vivia em uma ficção, você é ficcional porém foi desperto para a cruel realidade...quanta ironia!


Levanto, me despeço e continuo a caminhar pelo mesmo trajeto...

Ao som de "Just like heaven" - The Cure




25.9.06

Processo


















Continuo a caminhar pelo mesmo trajeto...tortuoso...disforme...trajetos compatíveis com os meus PROCESSOS de ser-humano minúsculo que habita um planeta minúsculo frente a todo esse imenso UNIVERSO que nos consome...me questiono sobre a real importância de todos esses conflitos...e processos...e mediocridades que, constantemente, desorganizam toda a minha ILUSÃO de controle racional sobre certos pontos práticos da minha vida...enfim, minha cabeça, minha sentença...

Continuo a caminhar...agora meio cambaleante...esses "PROCESSOS" vão se colocando como obstáculos...como normativas cartesianas que uma por uma tentam me bloquear...BUROCRACIA...tentam me aniquilar e fazer com que eu me rasgue e sabote tudo que é emoção...a "razão" das minhas normativas epistemológicas é sensorial...intuição animal...

Continuo a caminhar...paro para descansar na sombra de uma Sequóia...


Ao som de "Disintegration" - The Cure




19.9.06

Jogo de erros

Corpos abertos. Razão vendada. Jogo da vida. Jogo do amor e da morte. Magia?! Feitiçaria.
Pergunta. EU PERGUNTO. Prefere sentir CULPA ou sentir VERGONHA?Resposta. EU RESPONDO.Não!VOCÊ RESPONDE. Sem dúvida, CULPA. Mentira!Talvez.

VERGONHA & CULPA. Instâncias psíquicas em resposta ao "ERRO". Humano. Sempre em PROCESSO de julgamento. No fim, apenas OSSOS calcinados. Ah, essa posição de INQUÉRITO constante! Solução. Sem solução.

CULPA pressupõe saber o "CERTO". SABER apenas. Posso não querer, não poder ou não conseguir. CULPA é póstuma. Desaparece quando é paga. VERGONHA é vital. Atual. Olhar do OUTRO somado ao Auto-DESPREZO. Auto-Estima. VERGONHA é paralizante. Não há pagamentos. Quer desaparecer mas não pode. A CULPA faz agir. Precisa ABSOLVIÇÃO. PERDÃO. Ou não?! Certeza:Era da VAIDADE e do NARCISISMO. A VERGONHA é o controle do instrumento SOCIAL. A CULPA é o intrumento do controle RELIGIOSO. Risos.


Nesse jogo de erros
"quase" fatais...
Escolhem-se as peças
do tabuleiro escuro
da vida...
Olhos "vendados"
são guiados pelos cheiros
das peles dos "reis" e "rainhas"...
Esse séquito
de empregados da vida
cinza e sem rimas....

Passos são calculados
Com cuidado
Com controle logístico
de nada...
do nada...
A intuição é apenas uma marca
na testa franzida...
Penduram-se na parede
nódoas e cicatrizes
pagas em vida...

Ei, seus tolos!
Não existe culpa por amar
demais...
Demasiado amor
tem apenas vergonha...
Vergonha ao sentir na razão
cega dos olhos do outro
o amor de menos...
O desprezo pelo amor
desigual....
Esse sim, fatal...

Desse desespero
Eu e você...
Não somos prisioneiros...
Nosso olhar não enxerga
a simple razão...
Somos cúmplices da emoção...
Vamos muito além...
Até a mansão
do coração....

Nesse jogo...
No nosso jogo
o tabuleiro tem sentido...
Os "reis" e "rainhas"
já foram banidos...
Saímos da escuridão
dos quadrados da razão...
Para o colorido abstrato da
emoção...
Criamos personagens todos os dias:
Crianças brincando de amar...
Sem culpa ou vergonha
de um amor-louco
tão visceral...
tão cabal...


Ao som de "The Killing Moon" - Echo and The Bunnymen

15.9.06

A gota d'água


Gotas d'água...apenas gotas...a Medéia Grega, a Eva Cristã e a Joana do Candomblé...as indesejáveis e temidas mulheres pecadoras, representantes dos mitos da natureza continuam a combater a figura bíblica "perfeita" de Maria...àquela a qual a igreja define como a personificação de todas as "virtudes" que deveriam ser seguidas: castidade, submissão, alienação e indiferença...
Medéia é a "bárbara" mal vista que possuia poderes mágicos sobre ervas e raízes e que por vingança mata os próprios filhos...Eva é aquela, nascida de uma costela dobrada de um "homem superior" e portanto considerada um animal imperfeito que vai enganar sempre por possuir uma tendência natural pelo pecado...finalmente chegamos à Joana do Morro, mulher do povo, conhecedora dos rituais de Candomblé e figura transportada por Chico Buarque, desde a tragédia grega até a tragédia urbana, nossa Medéia contemporânea..essa gota d'água pela qual me afoguei em sentimentos...todos pulsantes...rentes à epiderme eriçada que traduzia para o cérebro apenas sinapses que nada diziam...o significado literal apenas o coração podia compreender...excitação...emoção...magia...medo...catarse...nada racional...a real banalização de tudo que é trágico na essência da mulher...o trágico original assim como o pecado original pertencem ao "sexo frágil"...
Que Medéia!Que Joana!Que força resgatada...escancarada desse "sexo frágil"!
O que parece acontecer nessa Gota d’água é um efeito de trivialização e de familiarização da tragédia grega: o que é nobre torna-se vulgar; toda a pompa da tragédia grega é substituída pelo comum; a linguagem, embora em versos, é muitas vezes chula; reis e príncipes dão lugar a pessoas do povo, “simples mortais” (sambistas, lavadeiras, biscateiros, gigolôs, fofoqueiros); os deuses da mitologia grega são "misturados" com as divindades do candomblé; as magias de Medéia são substituídas pelos “feitiços” de Joana:

"O pai e a filha vão colher a tempestade
A ira dos centauros e de pomba-gira
levará seus corpos a crepitar na pira
e suas almas a vagar na eternidade
os dois vão pagar o resgate dos meus ais
para tanto invoco o testemunho de Deus,
a justiça de Têmis e a bênção dos céus,
os cavalos de São Jorge e seus marechais,
Hécate, feiticeira das encruzilhadas,
padroeira da magia, deusa-demônia,
falange de Ogum,
sintagmas de Macedônia(...)
Eu quero ver sua vida passada a limpo,
Creonte. Conto co’a Virgem e o Padre Eterno,
todos os santos,
anjos do céu e do inferno,
eu conto com todos os orixás do Olimpo!"
(BUARQUE, PONTES, 2002, p. 101)

Será que através dos aspectos formais tanto do texto quanto da encenação, Aristóteles consideraria essa Gota d'água como uma Tragédia típica?
Acho que a maioria das pessoas que estavam sentadas...em cadeiras ou não...mandariam essas normativas aristotélicas para bem longe...
Naquele momento...a única "verdade" era a da sensibilidade...da mistura de corpos e de ritmos, todos juntos, concordando ou não, mas sempre "segurando nos braços" a personificação do Karma de todas as mulheres: a figura sofrida, desamparada, discriminada, carismática porém de uma força vingativa que causa medo e náusea da protagonista Joana.
Me deparo com uma estranha sensação de repúdia e, ao mesmo tempo, de entendimento e identificação com a personagem...fica claro que em nosso interior habitam todos os crimes, solidariedades e amores possíveis...a tragicidade está sempre lá...a única diferença é a passagem da "fantasia" para o ato...
Essa violência que recai sobre Medéia e portanto sobre Joana ultrapassa os signos sociais e se abate sobre a interioridade de sua feminilidade, sua sexualidade e seus sonhos. Como se fossem signos do universo feminino o qual, diferentemente do universo masculino, é todo construído "para dentro", assim como a representação física do nosso próprio órgão sexual.
Essa mulher vai aos extremos para ser acreditada, sua vingança irá além do consenso humano de "normalidade" (apesar de o mesmo estar em um momento bastante contraditório sobre seu "fiel" sentido)...será uma resposta carente de "razão" porém eficaz na medida em que atribui sentido e credibilidade ao comportamento feminino: até onde a mulher é capaz de chegar para defender sua honra e seus sentimentos...a "fantasia" tornar-se-á ação pela via passional....via essa que pertence na sua totalidade à natureza da mulher...Medéia, através da Joana de Chico Buarque, "canta" desde o ínicio o que foi a sua "perdição" e, consequentemente, será sua "salvação" através da vingança:

Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta

Olha a veia que salta

Olha a gota que falta pro desfecho da festa

Por favor

Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água

Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água

Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta

Olha a veia que salta

Olha a gota que falta pro desfecho da festa

Por favor

Deixe em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água

Pode ser a gota d'água


13.9.06

Realidade(fobia)?!


Despertei confusa
para uma realidade imprópria
parecia sonho
talvez...
um filme de David Linch
cheio de perturbações
como o "gênio" impiedoso
de um ditador encapuzado
"espaço vital"...
da sociedade secreta
dos pesadelos intermináveis

Acho que não despertei
me enganei...
impossibilidade física
disso tudo ser real...
ser irreal?
não pertenço a este lugar
(ou não pertenço àquele?!)

Imaginação suburbana...
vivo no centro
mas tenho a cabeça na periferia
sentimentos invertidos
preventivos...
pervertidos?!
Talvez...

Imagens codificadas
em plasma amorfo...
comedores de ópio
enlouquecidos em fantasias
juvenis...
puerilismo apunhalado
pelo pseudo-adulto
que existe em mim...

Discriminação avassaldora
de um ser excluído
por sua própria imaginação...
gotas de saquê respingam
no branco alado
dessa perturbação
inabalável...

Quero a insígnia da morte
tranformada em vida...
orientalização de um rótulo
intocável à primeira vista...

Minha realidade deste lado
misturada ao cheiro miúdo
do esterco...
cor verde de um "papel" ocidental
capital...
distância istmíca
desse "ismo" abismal...
doutrina imoral
de porcos encapuzados
ocidentais...

Prefiro voltar aos sonhos ...
a fantasia
dá colorido à realidade indomável
sou a excluída
em um mundo de imaginação...
onde ao menos
sou a personagem principal...
mesmo que "anormal"
como nos filmes
incompreensíveis...
de David Linch


Ao som de Ideologia - Cazuza

5.9.06

Tentação

- Tô com uma sensação nostálgica de algo que não consigo decifrar o quê...uma merda! Você já sentiu isso alguma vez?
-Não sei...acho que das vezes que senti sabia o por quê...tem certeza que é nostalgia?
-Pois é..não sei bem ao certo...parece nostalgia por eu estar "submerso" nesse estado melancólico permanente...
-Mas isso não quer dizer...nostalgia é uma sensação de vazio existencial... sei lá...você sente falta de algo?
-Não...eu sinto falta de não sentir falta de nada, entende?!Como se tudo que acreditei um dia não faça mais a mínima diferença...e, pior, como se tudo que eu venha um dia a acreditar não tenha importância alguma para meu futuro...
-É...eu diria que isso mais parece niilismo...mas não encara o niilismo como algo negativo...pois isso é o que querem pregar esses racionalistas idiotas que se dizem tão otimistas...a humanidade é niilista porém ninguém se atreve a dizer por medo de se sentir pessimista demais...todos somos hipócritas de certa forma...
-Como assim?!Você está dizendo que um estado depressivo e indiferente de merda como esse pode ser encarado de forma positiva?Mas o que significa o niilismo para você?
-Calma...deixa eu explicar...o niilismo para mim é algo como se os valores mais elevados historicamente constituídos se desvalorizassem, sabe?! Como se faltasse a finalidade; faltasse a "bendita" resposta ao "por quê?"
-Peraí...isso é o que a maioria entende por niilismo...você está sendo contraditório...se você concorda que o niilismo é esse estado de perda total de valores e respostas...como pode ser algo bom?!
-Claro que pode!Tudo depende do ponto de vista...risos

-Isso não é engraçado!Imagina perdermos todos nossos ideais...temos agora esse sentimento e está sendo um CAOS!
-E por que você morre de medo do CAOS?Com certeza é porque você encara o niilismo como a maioria, a qual segue esses intelectuais, adeptos de um Socrátismo que defende a verdade acima de qualquer teor místico, como se fosse possível distingüir o "verdadeiro" do aparente e do erro apenas com a nossa razão...que pretensão!
-Peraí, mas é isso que leva ao conhecimento...

-Presta atenção no que você está dizendo...isto sim é absolutamente contraditório...se fosse apenas a razão que levasse ao conhecimento, você acha, sinceramente, que a humanidade estaria nesse estado de melancolia e descrença permanente?!É muito fácil colocar a culpa de um mundo cada vez mais paradoxal em um estado de espírito, no qual a "mestra da vida", a razão, não pode explicar e, portanto, dizê-lo, negativo...
-Pode ser...mas de qualquer forma a culpa não é da razão, pelo contrário...são dessessentimentos destrutíveis que colocam nosso mundo nessa desordem e intensificam essa perda de objetivos e motivações diárias....
-Me responde uma coisa então...o que, ao teu ver, leva esses "sentimentos destrutíveis" a agirem?
-Sei lá..talvez um individualismo desenfreado...uma busca incessante por mais e mais poder que não encontra limites nunca...
-Pois então...isso é por que sempre estamos à procura dessa "verdade final", a qual dizem existir e que, definitivamente, é criada por uma ilusão racional que nos foi implantada no passado...hoje em dia, a razão que leva à busca de mais e mais conhecimento, às vezes se deixa levar por outros caminhos muito mais sombrios e destrutíveis...por isso, quer olhemos para o indivíduo, quer olhemos para a sociedade, o que vemos é uma realidade mais e mais paradoxal: de um lado o câncer, a aids, o desemprego, a marginalidade da pobreza, as guerras religiosas...e, por mais incrível que pareça, de outro, a tecnologia do microship, as redes de informação planetária, a medicina nuclear, entre tantas descobertas...portanto, você foge do CAOS, mas, sinceramente, o que parece isso para você?

-Tudo bem, parece o CAOS...porém você falou e falou mas ainda não me disse a que solução podemos chegar com esse sentimento do "nada", ou seja, do niilismo puro?
-Não há solução, apenas interpretação. O niilismo para mim é como se fosse um instrumento, uma dinâmica essencial na história que se perfaz no declínio. No entanto, de maneira diferente do que pensa o senso comum, a decadência , esse movimento da história, não deve ser pensado como algo puramente negativo, mas como um processo que permite que a história se faça como CRIAÇÃO. O próprio caráter “violento” de toda quebra de valores possui um caráter altamente necessário, pois é ele que possibilita ao homem “desvelar” o mundo para si a fim de que se abram novas possibilidades de ser.
-Pode continuar...
-Resumindo, a criação de ideais responde à necessidade de o homem encontrar segurança. Portanto, quando estes ideais não conseguem mais responder aos problemas vitais, eles se desvalorizam e aparece uma outra dimensão do niilismo que é uma época histórica intermediária entre o declínio e a criação de novos ideais e valores.
-Então é nessa época intermediária que reina o CAOS e em consequência o niilismo?

-É uma hipótese...nestas épocas, o homem se vê em meio a uma confusão de valores – o que parecia ser o "correto", agora parece ser "errado". A própria RAZÃO é relativa. O homem se encontra desorientado, não encontra mais uma perspectiva para o seu agir. Nestas épocas, o homem é levado por um nada infinito, por um vazio de sentido que lhe causa desespero e angústia existencial.
-Sim, pode ser...mas o que fazemos para nos sentirmos melhor?
-É preciso levar esse CAOS a sério , pois só o assumindo em todas suas possibilidades mais próprias é possível esgotá-lo. Somente esgotando todas as possibilidades do niilismo, é que se faz possível uma transvalorização de todos os valores. Como diz um gênio demente que estou lendo: "É estar desperto para apenas o que amamos e desejamos até o limite do terror - e que o resto seja apenas mobília coberta, anestesia diária, merda para cérebros, tédio sub-réptil de regimes totalitários, censura banal e dor desnecessária."
-Humm...tá aí algo que afronta....gostei!Quem é esse cara?
-É o novo Messias!(risos)...um profeta do CAOS...TENTAÇÃO demais para esses racionalistas que tentam de todas as formas coibir o comportamente "trágico" eternamente presente na essência de qualquer ser-humano...
-E por que eles têm tanto medo desse instinto "trágico"?
-Ótima pergunta...eles morrem de medo pois na verdade o que leva ao conhecimento é, definitivamente, essa maneira "trágica de ser"...não é a serenidade racional e sim a tragicidade dos instintos, ou seja, nessa perspectiva do trágico, o homem só conhece o bem, a "verdade", depois de passar pelo erro, depois de conhecer de perto o sofrimento, mesmo tendo desejado, desde o início, fazer a coisa certa...vivemos nesse paradoxo interminável...nesse conflito inesgotável de opostos...como Apolo e Dionísio discutindo eternamente dentro da nossa cabeça...
-Mas isso é muito complexo...é uma mudança radical de paradigmas...
-Não!Ouça, na verdade foram esses idiotas que mudaram o paradigma HUMANO em prol de um racionalismo praticamente MAQUINÁRIO...desde a muito tempo com os Socráticos...eles mentiram, venderam-nos idéias de bem e mal, infundiram-nos a desconfiança de nosso próprio corpo e a vergonha pela nossa condição de profetas do CAOS, da "tragicidade", inventaram palavras de nojo para nosso amor "molecular", hipnotizaram-nos com a falta de atenção, entendiaram-nos com a suposta ordem da civilização e todas as suas emoções mesquinhas...não deve existir essa competição sub-humana pelo poder...não há revolução, transformação, luta ou caminho para a "verdade" absoluta, o relativismo prevalece: não há maniqueísmos. Nós somos os monarcas de nossa própria pele , nossa liberdade inviolável espera ser completa apenas pelo amor de outros monarcas: uma política de sonho, arte e embriaguez como o AZUL DO CÉU.
-Realmente é TENTADOR demais...é humano demais, demasiado humano...

Ao som de "The Scientist" - Cold Play

1.9.06

Insuportável leveza de ser...


Ela acordou com um entendimento
inundando o seu pensamento
enchente...
possibilidade de afogamento
em sua própria cama sem colchão...
imersão...
afundando suas costas
até a madeira dura...
sentindo nas costelas
seu peso no mundo....

No sono inconsciente
era personagem...
de um título
fazia parte...
A história se repetia
paráfrases mal feitas
a primeira farsa grotesca
a segunda tragédia
de uma realidade desfeita...

Ligações apreendidas no sonho
imaginava...
e sentia em seu corpo
a leveza no sono
apolíneo...
amalgamada
à perturbação do peso na realidade
dionisíaca...

Algo estava errado
entendimento sem contexto
inter-relações arrancadas...
ilógica habitual do sonho
desconexo...
transmutada nessa madeira
dura realidade...

Deitada de costas...
desperta do sono
por um momento
e em toda a superfície dos poros...
seu corpo pesado
insuportávelmente dolorido
perguntava...
sem resposta:
"Qual meu peso no mundo?!"

A dor se confundia com a leveza
do sono...
adormece da realidade...
seu corpo
marcado pela fria madeira
plana...
e como num estalo de dedos
sente sua mediocridade
a "insuportável leveza de ser"
nada...
absolutamente nada


Ao som de "L'Homme Pressé" - Noir Désir

29.8.06

A Epifania do Falo



Prólogo

Sou Dionísio, filho de Zeus e da princesa Sêmele, passei toda minha gestação na coxa de meu pai, pois minha querida mãe faleceu antes de eu nascer.
Meu pai, Deus soberano irracional, assim que nasci me entregou aos cuidados das Ninfas, minhas protetoras e divindades da natureza que transbordam de graça criativa.
Juntamente com elas, os Sátiros, alegres e maliciosos acompanhantes com corpo de homem, chifres e patas de bode, formam meu séquito.
Percorremos todos os cantos do mundo enfeitiçando e seduzindo os humanos com os efeitos enebriantes e tentadores do VINHO.
Venho narrar duas divertidíssimas faloforias, nas quais me apresento e revelo o vinho para a terra de Atenas.

Primeiro Estásimo

Numa certa feita, na estrada de Elêuteras até Atenas, um homem chamado Pégaso, mediador de Dionísio, carrega nos braços uma "estátua original" de seu Deus. Aquele mesmo Deus que a cada ano, por ocasião das Grandes Dionisíacas (as famosas festas urbanas com apresentações de Tragédias) é levado pelos efebos de serviço em uma capela portátil, ao longo dessa mesma estrada, para ser de novo tranportado da Cidade ao Teatro.
Da primeira vez, Pégaso é mal recebido pelos Atenienses, os quais consideram a sua estranha e chocante "estátua" uma afronta. Dionísio fica violentamente irritado com tal pretensão.

Primeira Intervenção

Cidadãos Atenienses, imprudentes e arrogantes!Vocês não sabem a quem afrontaram tão ímpiamente!Sou Dionísio e minha cólera irá castigá-los por não respeitarem a forma da "égide", pela qual, de fato, desejo ser reverenciado.
Uma doença fulminate irá atingi-los no próprio membro pelo qual me viraram as costas. Apartir de hoje, nenhum remédio irá debelar o mal que causarei ao "sexo" masculino.

Primeiro Estásimo Lírico

Consultado às pressas pelos Atenienses, apavorados com a perda de sua virilidade, o Oráculo de Delfos informa que a cura interviria somente se o povo da Ática prestasse ao Deus todas as honras devidas, da maneira a qual desejava ser reverenciado. Sem perda de tempo os atenienses entenderam a mensagem e começam a construir falos , uns particulares, outros públicos porém todos com o objetivo de render as devidas homenagens ao Deus: imitando a "estátua" carregada por Pégaso desde Elêuteras.
Um Dionísio duplamente insólito: Deus até então desconhecido e, além disso, aparecendo sobre a forma de um pênis solitário, que vai revelar-se soberano. A estátua consagrada pelo culto reproduz fielmente a epifania que a introduz.

Segundo Estásimo

Icário, um camponês de Atenas, recebe um presente do próprio Dionísio: a primeira cepa de parreira. O camponês, generosamente, divulga para todos a nova bebida, a qual faz maravilhas; porém, os que bebem dela caem num sono tão profundo que os vizinhos acreditam que os mesmos estejam mortos.
Todos se voltam contra Icário e ferem-no mortalmente. Dionísio se sente encoleirado novamente e resolve vir em pessoa castigar os cidadãos atenienses na aparência perturbadora de um adolescente.

Segunda Intervenção

Que cólera se apossa de mim!Ah, esses bárbaros atenienses sentirão na pele o poder embriagador de Dionísio!Irei travestido da imagem tentadora de um adolescente pueril e seduzirei a todos...os deixarei loucos de desejo!Incita-los-ei até que os mesmos queiram me violar de tanto gozo!Dançarei para eles dias e noites e quando todos estiverem no auge da excitação desaparecerei como num estalo de dedos!

Segundo Estásimo Lírico

Todas as premonições de Dionísio ocorreram. Como o adolescente havia prometido satisfazer os desejos dos Atenienses, após o seu repentino desaparecimento, os assassinos de Icário permaneceram dominados por um impulso erótico inextingüível. Impulsionado pela cólera, Dionisio desencadeia em Atenas uma verdadeira loucura sexual:os homens, único objeto de seu ressentimento, são possuídos de um desejo imobilizado no mais alto grau de excitação. Novamente, o Oráculo de Delfos é consultado e a única saída para acabar com essa loucura ocasionada pela cólera do Deus é que sejam fabricados com urgência figurinhas de argila dos corpos em pleno estado de gozo, os quais devem ser consagrados no lugar dos próprios Atenienses para acabar, assim, com a mania que os possuía.

Estásimo final

Dionísio na primeira narrativa acalma-se quando figuras de falos lhe são oferecidos, já na segunda narração, o Deus somente ameniza sua cólera quando figuras dos próprios corpos tensos pela ereção são consagrados. De toda forma, Dionísio é o único Deus que se manisfesta pelo pênis e através do pênis, cuja representação figurada ocupa lugar central no seu culto e nas suas maiores festas.

O vinho pulveriza toda ânsia contida por dentre as máscaras de pudores que são construídas diariamente quase como um ritual. Dionísio é pura exaltação; uma realidade cheia de embriaguez que não se preocupa com esse indivíduo "mascarado", pretende pelo contrário, a sua aniquilação, a sua dissolução libertadora, a renúncia a qualquer tipo de identificação mística com si próprio. Esse estado, no qual a sensibilidade transborda pelos poros do corpo inteiro e a vontade de sair dançando e cantando enlouquecidamente é consequência desse sopro dionisíaco, desse furacão ardente de vida e de possibilidades que aparecem por dentre as inúmeras "máscaras" que vão caindo e sendo pisadas pelos dançarinos e sonhadores do séquito dos "horrores" sempre tentadores.

Ao som de "Afro B" - John Coltrane

24.8.06

Johnny Cash


No rádio uma música
estilo "country"...
Uma voz rouca
arrasta notas musicais
deslocadas...
Como meus sentimentos
debruçados sobre essas tristes
cantigas que só falam de amor...
enebriado pela saudade
antecipada...

Uma canção tão tranquila
a ponto de sentir meu peito
explodir...
Tic e Tac
Tic e Tac
Bomba relógio
amarrada ao meu coração
com hora marcada
para detonar...
As minhas ilusões mais puras
mais profundas...

Quero beijar tua boca
até sentir atravessar a minha...
Sem compaixão pela carne
ardendo em brasa...
Que dor imaginar minha
felicidade sentada
ao lado!
Cruzando o
oceano e chorando...
Chorando como uma menina
que esqueceu seu brinquedo
preferido...
Implorando para voltar a ser
simplesmente
Felicidade...

Ai, essa Idade quebrada
perdida em lamentações
sempre juvenis...
Nunca, sem medo...
Sempre, com inseguranças...
O que fazer?
A música continua a tocar...
"por que você é minha,
eu sigo na linha..."
A insegurança bate na porta
e pergunta: "Será que ela é sua?"
Eu me questiono e caio na dúvida...
Pronto...
o Medo se lambuza...

Triste fim se tudo fosse assim...
Trágicos por natureza...
suscitamos incertezas
em situações perfeitas...
Porém...
A faísca do fogo eterno
só depende da lembrança...
do calor do teu corpo
apertado para sempre
ao suor do meu....
A certeza de que
"por que você é minha,
eu sigo na linha..."

P.S: Ao som de...está meio óbvio, não?!

23.8.06

Poética e Filosofia do Trágico

Tragédia..."peça em verso, de forma ao mesmo tempo dramática e lírica, na qual figuram personagens ilustres ou heróicos e em que a ação se entende elevada, nobre e própria para suscitar o terror e a piedade; termina, geralmente, por um acontecimento funesto."
Essa é a definição do nosso "querido" Houaiss para esse gênero teatral tão interessante e ao mesmo tempo tão misterioso. Definição essa bastante simplória; entretanto, não vem ao caso, dicionários não podem nem devem ser profundos em seus verbetes.
O gênero teatral em si surgiu na Grécia Antiga porém se torna tão atual pelo fato de o aspecto TRÁGICO ser inerente a qualquer ser-humano. Em todos os casos, independente do enredo, encontramos alguma forma de identificação com o gênero HUMANO.
Mas por qual motivo se considera a Tragédia, Grega?! A Tragédia em si, ou melhor, a idéia de Tragédia é totalmente associada à AÇÃO humana. Portanto, existe uma diferença gritante entre a POÉTICA da tragédia, a qual surgiu na Grécia como gênero tetral e foi ,praticamente, "normatizada" por Aristóteles em sua "Poética", a uma FILOSOFIA do trágico, a qual foi fundada por Schelling a apartir de 1800, sendo que até hoje, os conceitos de TRAGICIDADE e de TRÁGICO continuam sendo fundalmentalmente alemães.
Aristóteles define a TRAGÉDIA "como a imitação de uma ação importante e completa, de certa extensão;deve ser composta num estilo tornado agradável(que reúne ritmo, harmonia e canto) pelo emprego separado de cada uma de suas formas; na tragédia, a ação é apresentada, não com a ajuda de uma narrativa, mas por atores. Suscitando a compaixão e o terror, a tragédia tem por efeito obter a purgação dessas emoções."
Atribui-se à concepção de Aristóteles, que associa a tragédia à purgação, ao fato dele ter sido médico, o que teria contribuído para que ele entendesse a encenação dramática como uma espécie de remédio da alma, ajudando as pessoas do auditório a expelirem suas próprias dores e sofrimentos ao assistirem o desenlace.
Como podemos observar, há uma explícita ligação entre a definição de Tragédia do "Houaiss" e a de Aristóteles na sua "Poética". Esse é o resultado da "cruel" racionalização científica do conhecimento, na qual, Sócrates foi o percursor. Maneira essa, cartesiana e superficial de elencar definições, como se as mesmas fossem simples objetos de decoração.
Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o VERDADEIRO do aparente e do erro era, para Sócrates, a única atividade digna do homem. A idéia é acabar com esse pensamento unilateral, utilizando Nietzsche. Para ele, porém, esse tipo de conhecimento simplório não tarda a encontrar seus limites: "esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus limites onde este se transforma em ARTE".
Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo supra-sensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo as "idéias" não mais como "verdades" ou "falsidades", mas como "sinais". A única existência, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais o Ser; o homem está destinado à MULTIPLICIDADE, e a única coisa permitida é sua interpretação.
Enfim, essa foi uma pequena elucidação que, provavelmente, tratarei com mais profundidade nas próximas postagens. Primeiro, pelo fato de estar submersa em devaneios sobre um "Ensaio sobre o Trágico". Segundo, por viver em TCC - Terror Criativo Constante (ou seria em CATARSE?!) sobre o gênero teatral. Terceiro, por estar tentanto enternamente e dolorosamente minha libertação através da ESCRITA.

Ao som de "A Valquíria:Cavalgada das Valquírias" - Wagner.

21.8.06

ilusão(de)forma


(Dis)forme

Tantas formas...
seriam gestos?!
marcados de silêncio
esclarecedor...
gosto de olhar
tuas...
outras expressões

Observo sem cansar...
tudo...
todos sem pudor
isso é errado?!
o que é certo?!
nada é concreto...

Não me canso...
desencano
de todas pré-concepções...
aprendo...
me revelo
nessas "suspeitas"
dimensões...

Vou desenhando
caricaturas...
dessas tantas alucinações
estórias perdidas
procurando ligação...
vidas passadas
de arquétipos e repetições

Parece "loucura"
porém
é apenas revelação
grão de areia perdido
na palma da minha mão...

Não me questione...
me entenda
Ah, esse grão de areia
tão leve...
às vezes
peso de um mundo:
imaginação travestida
em realidade
fria e crua...


Ao som de "Dancing in the Moonlight" - Smashing Pumpkins